Fotografia de Alfred Cheney Johnston
ergo-me serena.
Desta vez - e só desta vez -
deixei o medo guardado no outro lado de mim.
Há uma sede de frescura a crepitar-me nos lábios,
mas o caminho que se me afigura adiante
é pantanoso [diria até pernicioso]
e ladeado de charcos com sabor a sal.
Um dia disse-te:
"Há dias, muitos dias, em que todas as palavras te pertencem".
As minhas!
Respondeste-me com um sorriso lânguido que me fez
sorrir-te também.
E fui atrás de ti, para onde todas as palavras me levaram.
As tuas!
Mesmo aquelas que não disseste. Ou não conseguiste dizer.
Acho que preferiste resguardá-las para uma cerimónia de iniciação,
um pouco antes de adormecermos. Os dois.
Achei bem, e abracei-me a ti.
Li-te nos olhos o amor.
Falaram-me dos dias felizes, em que todos os jardins floriam
ao nascer do sol.
Mas, um dia, todos os poetas estarão mortos.
E as flores serão decepadas e depositadas em jarras de vidro.
Assim acabarão os jardins.
E a vida deixará de ser colorida e de ter perfume.
[A terra ficará árida.] Sobrarão apenas as sombras,
as memórias e, quem sabe, o eco das palavras.
Das minhas. Das tuas.
Antevejo o caminho que nos resta percorrer
a escorregar pelos portões da vida.
Todas as palavras que nos restam se tornarão mudas
no escuro da noite.
Onde adormeceremos juntos.
De olhos cerrados, de mãos entrelaçadas,
tal qual aquelas que entrelaçaram as nossas vidas.
A minha. A tua. A nossa.
(eu)